terça-feira, 14 de outubro de 2014

ERA A ÚLTIMA AULA!
Aquela parecia uma tarde de quinta feira como todas as outras.... mas era a ultima aula não de geografia mas de vida!
Estávamos sentadas na sala dos professores ,minhas três lindas alunas aprendiam flauta. Eu dizia do sonho que tinha de vê-las (as meninas menores) em um conjuntinho só delas, os olhinhos brilhavam com minha fala. A cada musiquinha que elas tocavam com perfeição vibrávamos juntas.... os olhos pareciam cintilar, eu tinha um carinho grande por elas, eu sentia uma alegria enorme no dia da aula. Era lindo mesmo!
Fomos interrompidas pela secretaria que pedia que eu assinasse o ponto mensal, aquilo me chamou atenção e diferente a todos os meses anteriores eu nunca conferira as horas aula mas dessa vez o 180 hs saltou a minha vista, talvez pela maneira nervosa e o momento impróprio algo me chamou atenção. Eu disse que não assinaria e uma guerra se iniciava. Perguntei o porque daquilo e a resposta foi seca: A diretora mandou. Eu sabia que era por duas aulas de ciência que colocaram no meu horário sem me comunicar e ao ver aquilo eu rejeitei aquela atitude, mesmo se faltassem duas aulas seriam 190... mas não faltava. 
As alunas logo disseram : professora você está tremendo! A atitude me irritara bastante , mas procurei terminar minha aula.
Depois do intervalo eu fui para aula de geografia no sétimo ano, entrei na sala mostrando firmeza, estava cansada de tantos tumultos, ameaças, confusões que criavam sem explicação pelas horas que não sabiam somar e contar. (soube que aquela era uma característica daquela gestão e o fato da prefeita afirmar que eu deveria ter 200 horas sempre foi algo que incomodava a todos.)
Pedi que os alunos lessem a história da erva mate , (estudávamos a região sul) e escrevesse com palavras próprias (sem copiar o texto) o que entenderam . Os alunos sabiam muito bem copiar ,mas escrever era tarefa quase impossível,mas eu vinha tentando ensinar autonomia a eles.
Repentinamente a diretora adentrou a sala de aula, pensei que fosse algum aviso, mas não! ... estava com aquele horário costumeiramente pintado de vermelho para me convencer das horas, já havia feito isso varias vezes, colocava com sua letra a soma... depois ela mesmo afirmava com todas as letras que as horas não fechavam, eu achava o cumulo de falta de ética e sabedoria e não entendia porque ela sempre se expunha a esse ridículo com arrogância. Pedi que resolvêssemos a questão fora da sala de aula ela exigiu que eu fosse a secretaria, mas com meus alunos sozinhos e com certeza sairiam do controle, eu não tinha cabeça, pedi licença e voltei um tanto nervosa a sala de aula.
Não entendi o por que criaram todo aquele tumulto do nada aquilo me cheirava a cilada.
Apaguei o quadro e ia colocando novo conteúdo. Cássia a filha da diretora perguntou: Professora a gente não iria ler o que escrevemos? Ah, sim obrigada por me lembrar, então vamos lá. Determinei quem iniciaria a leitura, quando chegou a vez de Samuel um aluno bastante bagunceiro ele foi logo dizendo: eu não vou ler isso não presta pra nada.
Pensei que era uma desculpa por não ter feito a atividade e perguntei: você não escreveu? Escrevi professora mas isso não presta eu não vou ler.
Me dirigi a aluna nota dez da escola: - Por favor você pode ler o texto dele? Determinada ela empunhou o caderno e iniciou a leitura. Fiquei perplexa.
Que texto bom, muito bem Samuel, ele me dirigia o olhar em pé tentando ver verdade em minhas palavras. Olha só Samuel eu não estou te criticando eu quero te ajudar escuta bem o que vou dizer.
A sala já fazia silencio. Eu não quero que um dia aconteça com você o que aconteceu na minha vida. Pessoas próximas a mim me convenceram que eu era incapaz. Que o que eu fazia não prestava pra nada e vivi como um lixo humano por vinte anos só por acreditar no que me diziam e comecei a agir assim, como uma pessoa incapaz. Minha vida se tornou um caos e a única coisa que eu fazia todos os dias era desejar morrer, toda alegria da minha vida foi roubada.
Mas um dia Samuel alguém sentou diante de mim e me dirigiu a palavra como eu estou fazendo com você, e essa pessoa me devolveu a alegria de viver e reconquistei minha capacidade, voltei a ter emprego e por isso estou aqui diante de você agora.
Quando comecei a ser sua professora eu sempre achava que você era bagunceiro porque tinha dificuldade de aprendizagem, mas um dia você disse essas palavras eu insisti e você deu uma boa aula naquele dia, ai descobri que você é inteligente capaz e que tem chances de ser um excelente aluno e um grande profissional no futuro. Mas se você continuar tendo tão baixa auto-estima você vai fazer exatamente como eu fiz jogar sua vida no lixo. Nunca deixe que isso aconteça meu filho, nunca. 
Sentado na carteira debruçado sobre sua mesinha ele secava as lagrimas que não paravam de descer.
Pessoal eu deveria estar ensinando geografia mas nenhum de vocês nunca deixe que alguém os convença de que não são nada,,, nunca! guardem e cuidem bem de suas vidas. 
Os mais valentões estavam vermelhos se esforçando para não deixar as lagrimas descer.
Com voz embargada a filha da diretora dizia baixinho, talvez dessa vez ele muda.... Professora o Samuel está chorando! Outro dizia. 
Sim ele é novinho mas tem suas lutas, suas dores interiores e suas dificuldades... todos temos... mas ele ajuda sue pai cuidando da água da localidade , ele pode aprender ser um grande profissional é só não acreditar que o que faz não presta pra nada. Samuel não estou te criticando você está me entendendo. Ele balançou a cabeça dizendo que sim ... TINHA ENTENDIDO.
Professora a senhora vai fazer a gente chorar dizia Elaine com voz embargada... Sorri! Eu também estou chorando mas é por uma boa causa é uma lição pra toda vida, geografia vocês sempre podem aprender.
O sino tocou... cada um se levantou e saia da sala se despedindo e dizendo coisas boas,eu respondia a cada um retribuindo a gentileza. Eu jamais, nunca imaginei mas aquela foi a ultima aula.... a ultima aula... espero que a lição fique para sempre na vida deles, e aprendi a amar aqueles pequenos bagunceirinhos, com certeza.
No outro dia as coisas tomaram uma direção insustentável.
Era dia da árvore e não houve aula para os alunos maiores, só para os menores e ainda deixei duas ultimas lições... 
A escola estava um caos aquela manhã, desorganização, brigas, as professoras que tinha que ficar na sala não controlavam os alunos que assistiam o movimento no pátio.
Em um minuto de intervalo sentei em uma cadeira no refeitório perto do bebedouro bebendo água gelada para me acalmar de todo aquele tumulto. Uma funcionaria minha vizinha Que quando lá cheguei sempre me encorajava com o sorriso me dirigiu a palavra. Tudo bem professora??? 
Eu? Ah, estou cansada, chateada, aborrecida e tudo que tenho direito. - Eh professora se eu não tivesse filhos eu não tinha medo de sair por ai. Era uma sugestão para que eu jogasse a toalha. Sem saber porque comecei falar com ela sobre a necessidade de ter Deus na vida nas horas difíceis, dos milagres que sempre vivi, da certeza que tinha de que naquele momento Deus estava cuidando de mim. Jordana um dia seus filhos não serão suficiente para motivar sua vida, então minha amiga fite seus olhos em Deus e você vai ver o quanto é bom descansar Nele. Ela era jovenzinha mas tinha uma história de vida triste e tumultuada. As lagrimas desciam nos olhos dela copiosamente e começaram a descer em meu rosto também.
Verdade professora , Deus é tudo mesmo, obrigada ... Eu nunca imaginei mas foi a ultima vez que a vi.... era a ultima aula!
Durante as atividades da manhã vi uma das minhas aluninhas de flauta calada ,com olhar triste... me aproximei e nem sei porque comecei a trançar o cabelo dela (eu nunca fazia isso) e lembrei das minhas tranças comecei a contar minha história... usei tranças até 23 anos... até os dezenove todos os dias minha mãe trançava meu cabelo, depois sai de casa e tive que aprender. Minha mãe já morreu fazem mais de vinte anos mas você acredita que sinto falta dela?
Ela começo falar... professora eu não sabia que ia ter aula na minha sala, cheguei as oito e a professora não me deixou entrar... eu não sabia professora eu vi o bilhete dizendo que não ia ter aula, eu não sabia professora!
Comecei acalmá-la e confortá-la então ela começou a falar da falta que a mãe dela fazia, ela morava longe dali, É mesmo !! afirmei: quando sua mãe esteve aqui percebi que você gosta muito dela. Ela continuou contando a rotina da casa, as dificuldades, eu ia lançando conselhos ,senti como se ela estivesse depositando seus fardos em minhas mão. Tentei ajudar. Foi a ultima vez que a vi... era a ultima aula!
Fiquei sabendo que minhas alunas se reuniram para falar com a diretora acho que pediam a minha volta.... penso que ainda restou a dor da separação da qual Deus me poupou talvez porque sabia que isso seria pesado demais pra mim.
No outro dia depois de atitudes desastrosas da diretora fui convencida por meu irmão a sair daquele lugar e vir cuidar do meu pai que se encontrava em situação delicada já que meus irmãos estavam encontrando dificuldades para poderem cuidar dele, eu vim talvez porque eu já tinha dado minha ultima aula naquele lugar!
Enquanto a camioneta manobrava meu irmão exclamou!! A porta da casa ficou aberta. Todos meus pertences ficaram lá, era a pressão das ultimas vinte e quatro horas. Desci correndo tranquei o cadeado e me deparei com Samuel e mais dois alunos sentados quase em frente a minha casa.
Mais cedo eu tinha ido ao açougue da família dele e a mãe me contou que ele chegou em casa e disse:Mãe a gaucha hoje me disse algo interessante e contou chorando para a mãe o ocorrido na aula, ela com os olhos quase lagrimejando compartilhava a conversa.
=Eu estou indo embora, mas diga ao Samuel que nunca esqueça do que eu disse e que deixei um abraço.
Mas ali estava ele! abracei e disse .... está vendo Samuel olha a prova do que eu te disse... eu poderia estar chorando desesperada com tudo que me disseram, poderia estar me sentindo um lixo... mas não!! estou indo feliz não acredito em nenhuma dessas calunias e mentiras, eu sou responsável inteligente e capaz, Deus abriu as portas estou entrando naquela camioneta vou para uma cidade boa... olha isso ! é assim que se faz!
Não esqueça Samuel um dia vou encontrar você um homem bem sucedido, um homem assim e apontava positivo com as duas mãos... ele me olhou calado, olhos enormes e brilhantes.
Havia mais um aluno da sala dele, irmão da menina que trancei o cabelo, abracei os três. A outra era uma menina rebelde, cheia de dificuldades na vida... ela estava pálida. A cor saiu do seu rosto. Professora você está indo embora? Tive a impressão que do jeito dela ela me amava , talvez eu nunca tivesse percebido.
Eu sabia que mais alguns alunos bem apegados a mim ainda iriam ficar perplexos com a noticia mas a situação exigia que eu não ficasse triste para que aquela difícil tarefa não se tornasse insuportável... afinal eu tinha dada as minhas ultimas aulas e poderia ir tranqüila.
Fui compartilhando o ocorrido... era mais uma aula de saída afinal a vida fez de mim uma professora.
Lembro de algumas pessoas que troquei experiências boas... algumas partiram depois e soube que aquela havia sido a ultima vez que as vi.
Nunca vou esquecer daqueles alunos, das aulas de flauta, da história de superação.
Eu não consigo escrever sem que as lagrimas desçam pelo rosto, mas preciso dizer que meu coração pode sorrir pela oportunidade grande inexplicável milagrosa como Deus permitiu que sem eu saber eu desse a ultima aula rindo e chorando ,aula que espero eu aqueles alunos guardem pra sempre em seus corações.
Hoje o medico da família veio visitar meu pai... quando ouviu eu dizendo professora de geografia começou a contar de uma experiência no sétimo ano, descreveu a professora, eu ainda lembro o nome dela dizia satisfeito. Quem sabe um dia um médico em qualquer lugar do mundo vai se lembrar da professora de geografia aquela da ultima aula... Que Deus nunca permita que desperdicemos a ultima aula

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